RACIONALIDADE E IRRACIONALIDADE, ONDE ESTÁ O TERRAPLANISMO NA DISCUSSÃO DA PREVIDÊNCIA

Caio Almendra
3 min readFeb 27, 2019

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Em dado momento, Deleuze nos ensina que tudo que chamamos de “racional” é uma construção que cresce a partir de uma irracionalidade fundante.

Assim, toda a teologia cristã é racional, desde que aceitemos a irracionalidade fundamental, qual seja, a ressurreição, a santíssima trindade, a perfeição de Deus. Tudo no capitalismo é racional, desde que aceitemos a herança, a propriedade privada dos meios de produção e etc.

Saiu um texto do Pablo Ortellado dizendo que é “terraplanismo da esquerda” ser contra qualquer espécie de Reforma da Previdência. Segundo ele, ser apenas contra a Reforma é uma posição irracional. Bem, deixa eu explicar o que de fato é irracional na discussão da previdência.

A Previdência é um sistema de distribuição de aposentadorias e pensões para pessoas que entendemos que não devem mais trabalhar, quer por idade, quer por ser pescador em período de reprodução de peixes, viúvas e órfãos menores de idade e etc.

Para tanto, ela precisa de recursos. Recursos, riquezas, como sabemos, são criados pela aplicação de um trabalho sobre a natureza. Chamamos de “produtividade do trabalho” a capacidade de gerar riqueza dividido pelo tempo empregado. Quanto maior a produtividade, maior a quantidade de riqueza é produzida em menor quantidade de tempo.

Devido ao desenvolvimento tecnológico, somos cada vez mais produtivos. Produzimos mais gastando menos tempo. Esse aumento de produtividade em muito supera qualquer sobrevida demográfica. Aliás, considerando o que foram os últimos 70 anos(ou seja, desde a última diminuição da carga de trabalho semanal) de desenvolvimento tecnológico, o aumento da produtividade do trabalho foi suficiente para jamais termos problemas de previdência em nossas vidas.

Mas, por que, então, tantos falam, como Pablo Ortellado, que “não fazer uma Reforma da Previdência é impossível”?

Bem, todo sistema racional nasce de uma irracionalidade. A Irracionalidade da discussão da previdência é o fato de JAMAIS discutirmos redução da carga de trabalho. Produzimos cada vez mais durante as oito horas diárias que trabalhamos mas jamais discutimos como poderíamos reduzir essa jornada, empregar mais gente e, assim, bancar qualquer mudança demográfica que a sociedade humana global tenha passado nos últimos anos.

A partir da irracionalidade fundante, ou “terraplanismo”, nas palavras de Pablo Ortellado, de que é impossível reduzir nossa carga de trabalho para aumentar o número de pessoas que trabalham, criou-se uma gigantesca quimera racional que “obriga” a Reforma da Previdência.

Em outras palavras, o déficit da previdência é um não-problema, do ponto de vista social e global. Ele é uma mera consequência do problema fundante, qual seja, a não-correção da carga de trabalho para acompanhar nosso aumento de produtividade. Outros resultados nefandos dessa não-correção incluem um aumento radical da desigualdade social, uma explosão do número de bilionários e um impacto bastante negativo no aquecimento global.

Por fim, queria alertar mais uma vez sobre o caráter autoritário e ideológico do termo “impossível” em nossa sociedade atual. Toda vez que alguém fala que algo é impossível, eu saco minhas pistolas.

Zizek tem uma citação simples para descrever essa irritação com a palavra “impossível”:

“O impossível e o possível estão explodindo de excessos. Eu ouvi dizer que um homem nos EUA cortou seu pênis em dois, para poder transar com duas mulheres ao mesmo tempo. Você pode atingir a imortalidade downloadeando o seu padrão cerebral para um computador. Você pode ir para o espaço e já tratam como uma possibilidade a ideia de colonizar Marte. Mas se você sugere um simples aumento de alíquota para manter um pouco de saúde pública gratuita, rapidamente aparece alguém para dizer que isso é impossível, que vai destruir a competitividade da nossa economia e acabar com o país inteiro”.

É “impossível não fazer a Reforma” apenas porque é “impossível” baixar a carga de trabalho para 30 horas semanais(Keynes, na década de 30(!!!), queria que a carga de trabalho fosse de 15 horas semanais…).

Dito isso, gostaria de lembrar o que meu amigo Alexandre Araújo Costa vive dizendo: o que é impossível de verdade é mudar as leis da física. E essas agradeceriam se trabalhássemos menos e acumulássemos menos riquezas para os bilionários. Caso contrário, elas, que não mudam, vão criar uma catástrofe e tanto em nosso planeta.

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