O QUE SÃO DADOS?

Caio Almendra
4 min readJun 16, 2023

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Reflexões sobre a natureza física e econômica da riqueza dados.

Inteligência Artificial não é mágica. É só matemática.

Uma explicação simples e suficientemente correta para nossos objetivos sobre o que são dados é informações passíveis de serem expressas numericamente. É a transformação da informação em números que torna-a dados. A tecnologia de Sistema de Posicionamento Global(GPS) torna a localização em dois números, latitude e longitude. A data e o horário são descritas em números. E a cada pessoa é atribuído um número específico por cada registro que fazemos em sites, aplicativos e plataformas.

E, nesse processo, a informação de que “Tício esteve num restaurante em Roma na segunda passada no horário do almoço com sua namorada Sula” se torna uma matriz de números e, portanto, dados.

Esse fator é indissociável do aumento da capacidade técnica da Humanidade. Não haveria sentido em registrar em números a informação de que Tício esteve num restaurante, se tivéssemos fazendo tal registro à mão em um caderno. Hoje, contudo, é possível fazer um HD e nele colocar chips com bits de 3 nanômetros, isto é, dois pequenos repositórios de informação distantes apenas três átomos um do outro, o que permite que no espaço de um pequeno caderno acumular 32 trilhões de sequências de zeros e uns, suficiente para armazenar 3000 vezes mais do que a Biblioteca da Alexandria. Na palma de uma mão.

Todo esse potencial de avanço da capacidade de armazenamento de informação da sociedade, óbvio, é resultante direto de milênios de trabalho e acumulação de capacidade produtiva da humanidade, desde a mineração dos elementos constitutivos desses componentes eletrônicos, até a capacidade de produção miniaturizada a ponto de literalmente enfileirar átomos.

A revolução informacional que permitiu a rápida troca de textos escritos, imagens e vídeos por bilhões de pessoas no mundo o tempo todo e o registro delas está intrinsecamente ligada ao surgimento dos dados. Porém, o aspecto comunicacional não é o único vértice desse processo. As mesmas máquinas passaram a absorver informações não-comunicacionais, como por onde andamos, o formato dos nossos rostos, como nos mexemos, que expressões faciais estamos fazendo, quanto tempo passamos em cada site, o que vemos e ouvimos. E uma miríade de máquinas e sensores espalhados por todo mundo produzem infindos dados sobre fenômenos não-humanos, como vento, marés, temperatura, comportamento de animais e plantas, atividades sísmicas e vulcânicas, eventos astronômicos e etc.

Tudo isso, todos esses produtos da humanidade, são alocados na tarefa de transformar informações sensíveis, sobre o mundo mas principalmente sobre os seres humanos, em números e armazenar tais números em átomos juntinhos de hard disks.

A acumulação de dados, chamada com o sugestivo nome de mineração, são um processo majoritariamente realizado por emprego de máquinas(o capital, o investimento, o chamado na teoria marxista como trabalho morto). Sensores ou aparelhos como celulares, TVs, computadores, assistentes pessoais eletrônicos e similares estão permanentemente transformando energia elétrica em registros em HDs, um trabalho 99% automatizado.

Muitos desses dados podem depender de uma atividade humana, mas a discussão se são em si trabalho é capciosa. Pessoas em tempo ocioso podem produzir dados na mesma velocidade que pessoas trabalhando. O que eticamente não é uma questão: se apropriar da atividade humana em momentos de lazer, quando a pessoa sem sequer está sendo paga para realizar tal atividade, não me parece menos apropriação e cercamento.

Enquanto riqueza, Dados são, portanto, a commoditificação de uma fração da cultura humana(inclusive em diferentes acepções da palavra “cultura”, não se confundindo com “arte” ou mesmo “produção intelectual”). O comércio de dados é o compartilhamento do direito que empresas de tecnologia se arvoraram de ter sobre a cultura humana.

Mesmo considerando, assim, a expropriação dessa riqueza, o cercamento da cultura humana, é preciso desenhar essa história completa, contando a imensa façanha humana que é construir essa Biblioteca da Alexandria moderna.

Digo mais: é uma curiosa questão do capitalismo, o processo criativo está subordinado ao processo de apropriação da criação, o que obriga o crítico à apropriação antes o reconhecimento de tal capacidade criatividade, confusão que a propaganda capitalista habilmente explora(aqui, os exemplos memificados seriam a ideia que é o sistema econômico, por si uma abstração, que produz commodities).

A alternativa seria a esquizofrenia de afirmar que uma riqueza está sendo roubada sem sequer reconhecer que foi construída.

Qualquer estudos sobre o extrativismo de dados e suas consequências danosas deve começar pelo reconhecimento desse feito colossal que é o acúmulo da cultura humana nesse meio digital e a capacidade da digitalização de permitir manipulação(estar nos dedos é estar nas mãos). Isto é, nunca foi tão possível estudar, mergulhar, visualizar, aprender e fruir da cultura humana e, por isso mesmo, é um absurdo que esse imenso poder esteja concentrado na mão de tão poucos.

Esse, espero, será a primeira provocação de uma pesquisa que pretendo realizar sobre Extrativismo e Imperialismo de Dados.

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