O QUE FAZER COM PESQUISAS POR TELEFONE

Caio Almendra
4 min readSep 24, 2018

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Eu estava em viagem na serra no final de semana mas quando cheguei vi um número infindo de análises a respeito da pesquisa do DataPoder 360. A pesquisa apontava coisas que não apareciam em nenhuma outra pesquisa, desde um empate entre Bolsonaro e Haddad, até migrações “inexplicáveis” de votos do primeiro para o segundo turno. Muitos comemoraram, outros ficaram confusos, alguns poucos falaram sempre a mesma frase: “é uma pesquisa feita por telefone”.

E… pipocaram os textões tentando explicar os resultados inexplicáveis.

Poucos olharam mais a fundo o que diabos seria uma “pesquisa feita por telefone”. E explicar isso é a razão de ser desse texto.

PODEREMOS ESTAR CONTINUANDO ESSA LIGAÇÃO PARA SEMPRE, SR

A primeira coisa que precisamos entender sobre uma pesquisa via telefone é que ela já nasce, em si, com um erro: todas as pessoas que a respondem tem telefones. Além da pesquisa ter sido realizada apenas em São Paulo, ela foi feita a partir de uma randomização completa de números telefones. Escolheram uma máquina para sortear os números telefônicos e só.

8% da população brasileira não tem telefone. Além dessas, um número significativo tem telefone mas com números não funcionais, contas cortadas e etc. E isso é uma distorção “pequena” frente as que virão.

A segunda coisa que precisamos nos lembrar sobre as pesquisas via telefone, em especial a do DataPoder360, é que não temos ideia de como essas pessoas responderam essas perguntas. Quem liga para o entrevistado é uma máquina e não uma pessoa, as ligações podem ter sido realizadas no meio do jantar, ou enquanto a pessoa voltava para casa. Ela poderia estar no metrô barulhento, ou no trânsito.

Principalmente, temos que entender que quando a pessoa começa a ouvir a ligação, ela não tem ideia de quanto tempo demora para ela acabar. Após alguns segundos, ela pode estar cansada de ficar no telefone e disposta a apertar qualquer tecla para acabar a ligação logo. O grau de confiabilidade de uma pesquisa assim é inerentemente baixo.

O telemarketing ativo é, em si, irritante. Olhe a imagem abaixo. Telemarketing é a nona reclamação mais comum pesquisada no Google. E elas são especialmente mais irritantes quando feitas por robôs.

Como se isso não bastasse, temos uma questão específica de como essas ligações funcionam.

Nas eleições de 2018, existem 11 candidatos a presidente. Mas… existem apenas 10 teclas numéricas em telefones. O que isso significa? Bem, significa que oito candidatos estarão em uma primeira lista, o número 9 será utilizado para permitir que a pessoa repita a lista(caso não tenha ouvido direito na primeira vez, tenha sido interrompida ou coisa assim). E apenas as pessoas que apertem o número zero terão acesso à segunda lista, onde estarão alguns candidatos.

A diferença entre o primeiro candidato e o último candidato pode ser superior a dois minutos, dependendo da velocidade de fala do robô telefonista. Quem diabos quer ouvir uma máquina listar para nomes de candidatos a república enquanto está voltando para casa ou jantando com a família?

Parece ruim, né? Então olhe essa imagem.

Parece meio claro que é mais fácil declarar voto em Alvaro Dias do que na Vera, certo? Mas é justo, afinal, é ordem alfabética?

Bem, quem escolheu que a ordem alfabética fosse escolhida a partir do primeiro nome e não do sobrenome, como, por exemplo, as bibliotecas e livrarias organizam seus livros.

Seria “coincidência”, que a pesquisa encomendada pelo BTG Pactual, banco do vice de Bolsonaro, ao invés de se valer de uma lista dupla, pedia que cada pessoa clicasse dois números? Ou seja, era bem mais fácil de votar no Bolsonaro do que na pesquisa DataPoder360?

TÁ, E DAÍ?

Bem, algumas distorções são muito óbvias. A dificuldade de votar em Bolsonaro explica a baixa votação dele. Uma declaração de voto em Bolsonaro demoraria ao menos um minuto a mais que uma declaração de voto em Alvaro Dias, o primeiro da lista.

Depois, o número inflado da votação de Guilherme Boulos é resultado direto com alguém impaciente ouvir “Bou” e presumir que seja “Bolsonaro” o nome completo. Mesmo em São Paulo, domicílio eleitoral de Boulos e local onde a pesquisa se restringiu, nenhuma outra pesquisa indica que o líder sem-teto do PSOL tivesse 2% dos votos.

Essa é a mesma explicação para o “dado” dessa pesquisa que mais gerou celeuma: setenta e poucos porcentos dos votos em Boulos iriam, no segundo turno, para Bolsonaro. Bem, eu AMARIA que houvesse uma esquerda radical disputando votos contra a extrema-direita. Historicamente, a extrema-direita se alimenta de uma indignação da classe trabalhadora, em especial a classe média baixa. O que foi traduzido como uma prova de imoralidade da campanha Boulos seria, para mim, algo com méritos… mas é simplesmente nada.

Todas as conclusões de um pesquisa dessas, restrita em apenas um estado, feita via telefone e com critérios poucos claros, deveriam ser vistas apenas dessa forma: como não-dados.

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