MENOS AMOR, MAIS COMIDA

Caio Almendra
2 min readAug 19, 2018

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um texto sobre como a intolerância de Roraima deve ser combatida não pela tolerância, mas por um esforço de toda sociedade em receber os venezuelanos.

Em momentos como esses em Roraima, quando moradores locais expulsaram violentamente refugiados venezuelanos, existem dois erros que podemos cometer.

O primeiro é tergiversar sobre o assunto. Não devemos em hipótese alguma. O que aconteceu foi um completo absurdo, a violência xenofóbica é estupidamente perigosa e deve ser combatida com todas as forças e formas possíveis.

O segundo é tratar a questão como uma questão individual, como uma questão de “tolerância” e clamar por mais amor por favor. Sem dúvidas, os atos que vimos e chegaram às notícias foram intolerantes. E foram de uma minoria perigosa.

Porém, estão longe de ser as únicas provações que os venezuelanos passaram. No caminho da Venezuela para o Brasil, levando tudo que tinham em sacolas, malas e mochilas, não consigo imaginar por tudo que passaram. Aqui, não tem casa, emprego, segurança alimentar. E entram em um país em crise econômica, em um dos estados mais pobres da federação, com um povo que tem seus próprios dramas e sofrimentos.

Aí é que está o limite do discurso da tolerância e do mais amor por favor. Um povo cinematograficamente tolerante receberia essas pessoas, dividiria suas casas com elas e seus alimentos. Agora, o problema de cada família desse povo fantasiosamente tolerante vive com uma fração dos já poucos recursos que antes viviam. Não é uma solução razoável, é?

A resposta, portanto, não pode ser individualizada. Essa é a solução liberal: todos os problemas advém dos indivíduos, os problemas são nossos indivíduos ruins. Essa forma de pensamento apenas fortalece os grupelhos intolerantes e perigosos.

Portanto, não me chamem para uma “passeata pela tolerância”. Se quisermos agir para combater a intolerância e de fato darmos uma vida melhor para os venezuelanos que chegam as fronteiras, isso não basta e não ajuda. O que é essencial fazer é exigir que nosso governo receba os venezuelanos com todos os recursos necessários para se receber uma pessoa.

É preciso entrevistá-los para saber o que estão passando. Alimentar quem está com fome, vacinar quem não foi vacinado, ensinar a língua local para quem quiser se integrar mais rapidamente, garantir material de construção e terreno para que eles construam os próprios lares, além de abrigos provisórios. Como nossa sociedade, infelizmente, apenas garante dignidade para dois tipos de pessoas, o diminuto grupo das pessoas que tem posses e os imenso grupo das pessoas que tem condições de trabalhar para aumentar as posses das pessoas do primeiro grupo, é preciso entender que empregos e funções essas pessoas serão capazes de desempenhar em nossa sociedade.

Terceirizar para o povo de Roraima a tarefa de acolher as pessoas e chamar de intolerante quem for incapaz ou não desejar dividir o que tem com os venezuelanos, é o maior serviço que poderemos prestar para o crescimento da xenofobia no Brasil.

A tarefa não é deles, é de todos que dão um pingo de valor ao sofrimento do outro. Não é sobre tolerância, é sobre a responsabilidade coletiva de acolhimento.

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