GALERIAS, SHOPPINGS E INTELIGÊNCIAS: PORQUE A ESQUERDA NUNCA PESQUISA SOBRE O MELHOR LUGAR PARA SE PANFLETAR?
Deixa eu contar uma história sobre como o conservadorismo na esquerda é contraproducente. Senta que lá vem história.
Quarenta anos atrás, um jovem entrou na militância. Era o período da ditadura, panfletar era difícil e perigoso, a cidade do Rio era muito diferente. Um dos locais escolhidos por esse jovem, na época, era em frente a uma galeria em Copacabana.
Fazia todo sentido. Há quarenta anos, as galerias eram essenciais para o cotidiano da cidade. Era outro tempo, o único shopping da cidade era o Shopping do Méier e o Rio Sul ainda demoraria alguns anos para ser lançado. Antes dos shoppings, as galerias eram os maiores pontos de venda. Ademais, eram importantes para a própria locomoção na cidade e como ponto de encontro.
Mas isso há quarenta anos.
Contudo, esse “jovem” continua na militância, sendo um “grande capa”. Hoje, seus seguidores continuam indo à mesma galeria durante a campanha, fazer panfletagem da mesma forma, acreditando ser um excelente ponto de panfletagem. Será?
Bem, deixa eu contar outra história sobre esse assunto. Um dos principais pontos de panfletagem da cidade é a Praça Saens Peña. Ali, se reúnem diversas candidaturas, a maioria “de esquerda”, para disputar o eleitorado dos pedestres. Eu diria que o resultado é pífio mas continuamos fazendo isso.
Nas eleições passadas, dois anos atrás, um colega de campanha um dia me conta algo “incrível”. Ele e o candidato para quem fazíamos campanha resolveram se deslocar 500 metros da Saens Peña até a frente do Shopping Tijuca. “É inacreditável, Caio, como é muito melhor que na Saens Peña: faziam fila para fotografar com ele, mas, óh, não conta para as outras campanhas”.
O objetivo desse texto, obviamente, não é defender que se faça campanhas na frente de shoppings centers. Para isso, bastaria duas frases. Eu queria conversar com vocês sobre inteligência, ou seja, a forma de acumular e usar conhecimentos para resolver problemas. Não vou super-dividir isso ou falar sobre teorias que sequer concordo por completo. Vou partir do problema para pensar a questão.
Qual a forma de inteligência utilizada para se definir que a frente da galeria era um bom lugar de panfletagem? Bem, a inteligência prática de uma pessoa fossilizada por quarenta anos. Não era a inteligência coletiva(que sempre é mais valorosa), mas individual. Não era a inteligência informada(que nem sempre é mais valorosa), mas a prática e defasada.
Por que? Sério, gente, entre todos os motivos do mundo, porque uma forma tão ineficiente de se definir algo tão importante foi feito em uma forma de inteligência tão inadequada?
Notem, o exemplo “galeria vs shoppings” nem é desconhecido pela esquerda. Qualquer pessoa que discuta urbanismo na academia se deparou com algum conhecimento acumulado sobre o assunto. Livros e mais livros, correlações com direito à cidade e tudo mais. Esse conhecimento simplesmente não foi aplicado às eleições.
Como ninguém nunca fez uma pesquisa sobre o melhor lugar para se panfletar? Como nunca houve um processo coletivo qualquer onde as pessoas partilhassem experiências para pensar coletivamente o melhor lugar? Como não existe nenhum acúmulo de conhecimento sobre o assunto, além da memória de meia dúzia de militantes? Como isso é tratado como um segredo?
Bem, porque nada pode ser mais inadequado para achar soluções que a burocracia e aristocracia. O princípio da burocracia é a não resolução de problemas. O princípio da aristocracia é a autorreprodução. Nada disso envolve transformações profundas, justamente o oposto: “saber” essas coisas gera um micropoder que reproduz a aristocracia partidária. Por isso não é bem visto compartilhar essas informações. E por isso não é bem visto produzir conhecimento objetivos sobre esse tema, como uma pequisa. Conhecimentos objetivos e partilhados desmoronam aristocracias.
E, assim, o eterno objetivo de permanência nos mantem na inteligência pela tradição, uma forma de fazer anterior à estatística. Na era em que a estatística começa a se curvar ao Big Data. É de chorar.