A IDENTIDADE SECRETA

Caio Almendra
3 min readAug 12, 2018

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Sobre a luta contra opressões vs a luta econômica

É a disputa mais cotidiana dentro da esquerda: “ser de esquerda é defender pautas econômicas em favor da maioria” vs “ser de esquerda é lutar contra todas as formas de opressões”.

Eu não tenho a menor pretensão de resolver essa disputa. Mesmo que fosse um gênio, muito provavelmente me comportaria como na piada:

“-Você libertou o gênio da lâmpada, faça um desejo.

-Eu quero a paz no Oriente Médio.

-Mas isso é muito difícil, escolhe outra coisa.

-Eu quero resolver a disputa entre “identitários” e “economicistas” dentro da esquerda mundial.

-Opa, peraí, deixa eu olhar o mapa do Oriente Médio de novo.”

Ainda assim, terei a petulância de pitacar algumas coisas. Primeiro, eu acredito que a resposta perfeita para candidaturas de direita que buscam valer-se das discussões sobre identidade político-cultural para ganhar votos, a melhor resposta não é ser “menos identitário” mas ser ainda mais. A boa resposta contra os fernandos hollidays, não é criticar sua posição de negro, chamá-lo de capitão do mato ou qualquer barbaridade similar. A resposta ideal é cobrá-lo por não tomar as melhores medidas políticas possíveis em nome dos negros, cobrá-lo por ser “identitário” de menos e não “apenas identitário”.

Passado esse primeiro pitaco, eu queria comentar o que entendo ser a CAUSA dessa divisão, e a causa tem a ver com o que é visto como “constrangedor” hoje em dia, com o que é público e com o que é privado.

Notem, se olharmos bem, ser pobre qualifica uma pessoa a sofrer toda sorte de opressões. Ser pobre é, sim, a privação de condições materiais mas, também, é uma identidade cultural que sofre preconceito de formas estupidamente similares às demais identidades oprimidas. Sua música, sua forma de falar, a reação das pessoas na rua. Encontre uma pessoa sem dinheiro e verás uma pessoa mal-vista pela sociedade.

Só tem um pequeno pulo do gato nisso.

Em um de seus vídeos sobre moralidade, Slavoj Zizek contou a história de um jantar entre professores-doutores, onde o anfitrião progressista disse que cada um deveria se apresentar dizendo sua universidade, sua área de especialidade e sua orientação sexual. Ao que Zizek pensou: não seria muito mais radical, muito mais transgressor, que, ao invés de orientação sexual, cada professor dissesse o total de dinheiro que ele ganhou no ano anterior?

E aí está a questão: a pobreza é, na nossa ideologia e moral vigente, algo que fica no armário. Todas as identidades políticas que são causas de luta são identidades públicas, quer porque são impossíveis de se tornarem invisíveis(como ser mulher ou ser negro), quer porque o processo de luta contra a opressão passa por uma reafirmação pública dessa condição(daí, por exemplo, a mobilização se chamar Parada do ORGULHO LGBT+).

A tremenda penetração da ideologia capitalista, neoliberal e meritocrática em nossa sociedade, incluída aqui a esquerda, torna ser pobre uma vergonha. Para o capitalismo, a riqueza é resultado de virtudes, como força de vontade, inteligência, trabalho duro; enquanto a pobreza é fruto de defeitos, como preguiça e burrice.

Ninguém se assume como pobre com orgulho e, daí, ficam invisíveis as imensas opressões que o pobre sofre.

Em sentido oposto mas muito curioso, os ataques da direita a uma suposta hipocrisia da esquerda, aos “socialistas de iphone”(como se fosse moralmente melhor ser de classe média e lutar pelos direitos dos ricos do que ser de classe média e lutar pelos mais pobres…), torna a própria esquerda constrangida de assumir suas disparidades de renda, como se fosse a esquerda a causa do sistema político-econômica em que vivemos e de suas desigualdades.

Novamente, não tenho a menor pretensão de resolver o conflito entre “economicistas” e “identitários” (usando, aqui, os termos que cada um usa para chamar o outro, justamente para fortalecer a provocação sobre a cegueira de cada lado). Mas se eu fosse apontar um dos nós que deve ser desfeito, seria o fato da pobreza permanecer enquanto a identidade oprimida secreta.

Pode ser importante tirar a renda de cada um de nós do armário.

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