A “COLHEITA DOS BIZARROS”, como a covardia cotidiana acaba destruindo os debates.
Existe uma prática comum quando o objetivo é obstruir debates coletivos ou públicos. Em inglês, chamam de “nut-picking”.
Cherry-picking, ou “colher cerejas”, é a prática de pinçar apenas as coisas positivas que acontecem em algo múltiplo e complexo. É uma forma de distorção da realidade. Assim, um governo está mal na economia, mas você pega o aumento de renda das mulheres canhotas entre 28 e 32 anos das regiões urbanas do Nordeste, que foi alto, e diz “tá vendo, a economia vai bem”.
Nut-picking(“colher nozes”, sendo que “nozes” é um apelido para “louco”), que vou traduzir para “colheita dos bizarros”, é a prática de ir no campo adversário, escolher aqueles que tem as opiniões e métodos mais impopulares, ou aqueles que tem flagrante falta de carisma ou excesso de grosseria, e super-expor essas pessoas como representantes desse campo adversário. Comumente, escolhem alguém cujo radicalismo está distante da “janela do discurso aceitável”, mesmo que o combate real de propostas seja dentro desse campo. Às vezes, é só alguém muito bronco e tosco mesmo. O objetivo, claro, é equivaler essa pessoa ao todo do campo político adversário.
Vou citar alguns exemplos: é comum a CNN, apoiadora do partido democrata, chamar os mais racistas dos defensores do partido republicano para ir falar pelo partido republicano. Da mesma forma, a Fox News, defensora do partido republicano e de Trump, comumente convida pessoas da esquerda radical, em especial os que falam contra as fronteiras, para expor como a cara do partido democrata.
Ontem mesmo, Glenn Greenwald esteve na Fox News para falar de Bolsonaro. Ele comumente vai à Fox News, apesar do perfil bizarro da emissora nada combinar com Glenn. Como ele é um debatedor habilidoso e um jornalista dedicado, ele acaba por fazer um bom trabalho em defender o ideal de esquerda mesmo em campo adversário.
Mas eu não quero falar sobre as cerejas bizarras, e o que fazer para ser efetivo no campo adversário. Quero falar sobre a prática em si.
O comum, contudo, é que enquanto a Fox News defende a criação do muro entre México e EUA, ela escolhe um debatedor que é a favor “do fim das fronteiras”(como eu sou…) e não um que simplesmente é contra a construção do muro. O objetivo é dizer: se você deixar esses caras contra o muro opinarem, eles vão acabar com todas as fronteiras logo depois.
Qual o resultado prático e de longo prazo da colheita dos bizarros? A super-partidarização despolitizante, ou a ultra-política, como diz a Sabrina Fernandes do Tese Onze. Olhando diretamente as posições mais impopulares, pinçadas para tal propósito, as pessoas se radicalizam contra tal posição. Mas não pelo conteúdo das propostas, apenas por serem do campo adversário. Quem perde é o debate.
Ao final, meses de “colheita dos bizarros” acaba por destruir o espaço comum de debate. E isso é intencional, ou, ao menos, ocorre por “dolo eventual”: quem pratica regularmente a colheita dos bizarros já, de princípio, está fugindo de debater com a posição “média”. Já é uma atitude de fuga do debate, de obstrução do debate desde o começo mas no longo prazo torna qualquer debate completamente impossibilitado, obstruído.
O foda é quando depois os perpetradores da colheita bizarra percebem que precisam do espaço de debate e vê ele em completa ruína.